terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A maior lixeira de Maputo, do tamanho dos arranha-céus, desmorona e mata 16 pessoas

A maior lixeira de Maputo, do tamanho dos arranha-céus, desmorona e mata 16 pessoas
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Escrito por Emildo Sambo  em 20 Fevereiro 2018
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Agência LUSAPelo menos 16 pessoas morreram e outras cinco ficaram feridas em consequência do desmoronamento de uma montanha de resíduos acumulados durante décadas na parte norte da lixeira de Hulene – a maior da capital moçambicana – na madrugada desta segunda-feira (19). Um acúmulo de lixo cuja altura se confundia com os arranha-céus em decadência desabou sobre algumas casas – soterrando-as – erguidas quase mesmo no sopé da referida montanha quando os proprietários se encontravam a dormir. Todos foram apanhados de surpresa e, segundos os relatos dos vizinhos, que estimam que o montão de lixo tinha uma elevação de mais de 10 metros, morreram sem saber por que causa.
Entre as duas e três horas de madrugada de uma chuva que em Maputo não caiu para além de 88.7 milímetros, ouviu-se um estrondo seguido de gritos de pedido de socorro. O luto acabava de se abater sobre Hulene, um bairro pobre que, à semelhança de vários outros da periferia ou mesmo do centro urbano, está longe de experimentar o desenvolvimento.
Numa das habitações soterradas pelo lixo, quatro pessoas da mesma família foram resgatadas sem vida. Alguns cidadãos entrevistados do @Verdade imploraram pela sua retirada daquele sítio, antes que o pior lhes aconteça também.
Trata-se de uma lixeira onde muitas famílias pobres do bairro de Hulene e da periferia buscam meios de sustento. Ali, alguns homens e mulheres, incluindo adolescentes, geraram filhos e outros morreram catando o lixo da sobrevivência.
No caso concreto das vítimas desta tragédia, elas pagaram o preço de estarem num lugar errado mas sem recursos para se instalarem noutro local seguro, pese embora o perigo que sempre esteve à espreita.
David Simango, edil do Conselho Municipal de Maputo, entidade à qual compete a gestão daquele espaço onde diariamente se depositam toneladas de lixo proveniente de quase todas as partes da urbe, confirmou à imprensa que, dos 16 óbitos, 10 são adultos e seis crianças.
Relativamente aos feridos, em número de cinco, três sãos adultos e dois menores de idade. Até ao fecho desta edição, pelo menos três sobreviventes continuam sob cuidados médicos.
A situação, diga-se caótica e chocante, exigiu a presença de várias equipas, tais como da Saúde, da Cruz Vermelha de Moçambique (CVM) e Serviços Nacionais de Salvação Pública (SENSAP).
Contudo, esta última estava desprovida de meios, o que deixou as famílias afectadas e os vizinhos agastados. Só mais tarde – depois de o corpo de salvação pública ter se revelado totalmente incapaz – as autoridades mandaram vir de algures uma pá escavadora para facilitar as operações de resgate.
Importa realçar, aqui e em bom tom, o adágio popular segundo o qual a “união faz a força”. Sem esforços a medir, homens e mulheres deixaram os seus afazeres, arregaçaram as mangas e, por contra própria, efectuaram escavações que se revelaram um sucesso, enquanto aqueles que se fizeram ao terreno com o intuito de ajudar se mostravam inertes dada a ausência de meios para um trabalho complexo.
O risco de aluimento do lixo permanece em Hulene, por isso, 32 famílias foram transferidas para o centro de acomodação instalado no bairro Ferroviário, disse David Simango.
A outra acção que a edilidade planeia levar a cabo rem a ver com o reassentamento de algumas pessoas que vivem nas cercanias da lixeira de Hulene, algumas das quais no passado foram atribuídas terrenos longe daquele espaço, mas, por alguma razão, regressaram.
A lixeira de Hulene, considerada um autêntico atentado à saúde pública, devia ter sido encerrada há bastante tempo. Contudo, todos os planos nesse sentido conheceram sucessivos adiamentos.
Foto de Emildo SamboConfrontando com este assunto, David Simango alegou que, neste momento, as atenções devem estar viradas para o socorro das vítimas, “em vez de fazermos o debate da lixeira”, que poderá ser “feito em altura própria”.
O edil ainda argumentou que “todos sabemos que a lixeira deve de ser transferida e há um aterro [de Matlhemele, na Matola] que está em processo de construção. Mas com os corpos ainda frescos discutir isso da nossa parte pode dar a ideia de que queremos nos fugir da nossa responsabilidade. Nós assumimos a responsabilidade de tudo que aconteceu, vamos dar a cara”.
Aquando do lançamento do Programa de Desenvolvimento Municipal de Maputo (PROMAPUTO II), para período 2011-2015, por exemplo, o encerramento da lixeira de Hulene, até 2014, era uma das bandeiras da edilidade.
Na verdade, o plano de fechar o espaço que hoje se transformou num dos maiores pesadelos do município de Maputo remonta há sensivelmente 10 anos, mas nunca passou da ideia e do papel à prática.

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